Luz
e sombras
Trabalhadas
em variações de luz e sombras,
as fotografias de “Amazônia”, assim como aconteceu com o projeto
“Gênesis”, deram
origem a um
fotolivro em formato pôster de mais de 500 páginas, publicado
pela editora
Taschen, e ontem foram
apresentadas,
pela primeira vez, em uma grande exposição que reabriu para
o público,
depois de um ano de fechamento pela pandemia de covid-19, as luxuosas
galerias
do
Parc de la Villette da
Philharmonie de Paris (veja o link para uma visita virtual no final deste artigo). De acordo com o extenso dossiê sobre o projeto distribuído
à imprensa, as imagens de “Amazônia” nasceram de uma intenção
política
de
Sebastião Salgado, que
procura
celebrar o que ainda resta da imensa floresta tropical para conseguir
protegê-la.
Depois da temporada em Paris, onde permanecerá até 31 de outubro, a exposição já tem um
roteiro itinerante programado até o final de 2022 para outros
espaços
nos
cinco continentes, começando por Londres, depois Roma, incluindo
também São Paulo, Rio de Janeiro e
outras cidades. As
primeiras reportagens com destaque na imprensa estrangeira apontam
que “Amazônia” surge como o trabalho mais pessoal e mais
reivindicativo de Sebastião Salgado, atualmente com 77 anos. O
fotógrafo chegou a anunciar que convidaria, para a abertura da
exposição em Paris, lideranças indígenas do Brasil, para fazer
ouvir suas vozes contra a destruição da floresta e suas mensagens
de alerta sobre as consequências que isso traz para o planeta. Por
causa da pandemia, os convites foram descartados, mas a presença e
as mensagens dos povos indígenas ressoam na exposição em fotografias magníficas e também em gravações
de vídeo e no áudio de canções de seus rituais.
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Na
cenografia da exposição “Amazônia” apresentada nas galerias da Philharmonie de Paris, o visitante é convidado a penetrar na penumbra e nas
sombras para observar as imagens capturadas e ampliadas pelo
fotógrafo. A viagem do visitante pelas galerias, seguindo os
enquadramentos registrados por Sebastião Salgado, também é
acompanhada por temas musicais criados para a exposição pelo
francês Jean-Michel Jarre, um dos pioneiros da música eletrônica,
que utilizou, para a criação e as mixagens de suas composições,
os arquivos de sons da Amazônia que integram o acervo do Museu
Etnográfico de Genebra, na Suíça.
Há, também, duas salas especiais anexadas à exposição que apresentam
projeções em alta definição de mais de uma centena de fotos, com
acompanhamento de gravações sinfônicas para “O Mito da Criação do Rio Amazonas”,
composição de Heitor Villa-Lobos, e de melodias de acordes incidentais criados
pelo músico Rodolfo Stroeter. Nas galerias e nas salas especiais, a
natureza exuberante da imensidão verde surge em variações de preto
e branco, nas grandes panorâmicas e nos detalhes do ecossistema que
ocupa quase um terço do continente sul-americano, envolvendo o
Brasil e mais oito países. “A Amazônia é a pré-história da
Humanidade, o paraíso na Terra”, destaca Sebastião Salgado no
breve texto sobre a mostra distribuído à imprensa.
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Gaia: Amazônia por Sebastião Salgado: acima, a preparação para um ritual do povo Yawanawá.
Abaixo, imagem da aldeia Yawanawá no território do Vale do Javari, a segunda maior reserva indígena do Brasil; o arquipélago fluvial de Mariuá, localizado no rio Negro; e uma panorâmica do rio Ituí, no Vale do Javari
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Agronegócio
criminoso
A
abertura da exposição em Paris acontece em um momento de urgência
de ações políticas em defesa da região amazônica e do meio
ambiente no Brasil. O
Congresso Nacional está discutindo e votando um projeto de lei
polêmico que altera de forma significativa o controle ambiental
e dispensa licenciamento de diversos setores, entre eles as atividades
agropecuárias ou obras de infraestrutura e de saneamento básico.
Há também inúmeras ações irregulares do governo federal sob o
comando das milícias de Bolsonaro, que têm cada vez mais
posicionamento explícito pelo desmatamento da Amazônia, do Pantanal
de Mato Grosso e de outras áreas de conservação, atuando para
reduzir a fiscalização, para burlar as normas e para dar todo estímulo a
atividades ilegais de exploração dos recursos naturais. Sebastião
Salgado declarou que a ofensiva do desmonte das instituições
ambientais é provisório e acabará com o fim do governo Bolsonaro,
mas até as próximas eleições, em novembro de 1922, a destruição
avança em larga escala.
No
dia 19 de maio, véspera da abertura da exposição em Paris,
enquanto Sebastião Salgado e sua esposa Lélia Wanick, parceira de
todos os projetos, participavam de entrevistas coletivas na França,
chegava do Brasil mais uma notícia grave sobre o desmonte premeditado das políticas de proteção ambiental e o envolvimento da gestão Bolsonaro em ações criminosas: uma grande operação foi deflagrada pela Polícia Federal, autorizada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), visando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, servidores como o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Bim, e
empresários do setor madeireiro, todos envolvidos com esquemas
fraudulentos de exportação ilegal de madeira e contrabando de
produtos florestais.
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Gaia: Amazônia por Sebastião Salgado: acima, o Monte Roraima, em formato de mesa, localizado na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. Abaixo, os xamãs yanomami preparam o ritual para a subida do Pico da Neblina (visto ao fundo), no norte do Estado do Amazonas, fronteira com a Venezuela, o ponto mais alto do Brasil, com 2.995 metros de altitude, constantemente encoberto pelas nuvens. Também abaixo, imagem aérea da chuva que desaba sobre a Serra do Divisor, extensa área no Estado do Acre
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“As
entidades e uma parte do aparato de fiscalização e proteção do meio ambiente
no Brasil estão temporariamente
paralisadas trabalhando para o lado mau da nação”, denunciou
Sebastião
Salgado,
que também se diz confiante de que, em breve, as entidades e o
aparato de proteção ambiental voltarão
a ser o que sempre foram, cumprindo suas funções dentro da lei e não atuando em cumplicidade com ações criminosas. “Vejam
por exemplo a Funai, Fundação Nacional do Índio, que sempre foi
uma instituição de proteção à população indígena e era
dirigida por antropólogos e sociólogos da maior seriedade. Hoje a
Funai protege o agronegócio destruidor e é comandada por um
policial sem nenhuma qualificação para o cargo”, alertou Salgado,
acrescentando que o mesmo ocorre com o Ibama, uma
entidade que sempre teve um papel fundamental nas questões
ambientais e que
no
cenário catastrófico provocado pelo atual governo
“não tem mais nenhuma capacidade de pressão e controle”.
Governo predador
Questionado
pelos jornalistas, Sebastião Salgado classificou o atual governo
brasileiro como “predador”. “O governo Bolsonaro é mau. As
propostas dele são todas ruins, seja contra negros, mulheres,
indígenas ou ainda a proposta absurda de armar o povo brasileiro.
São todas propostas profundamente violentas. Espero que esse mal
seja curado nas próximas eleições”, ressaltou o fotógrafo,
alertando que a destruição das florestas brasileiras acontece por
causa dos hábitos da sociedade de consumo. Segundo Salgado, grande parte da
destruição da Amazônia acontece
para produzir carne para
o mercado externo e
também para
o cultivo da soja,
que é exportada por
grandes empresários do agronegócio para alimentar vacas e porcos
“franceses, chineses e russos”. “Nós precisamos do apoio do
planeta, da pressão política de todos os países, da pressão
econômica sobre o governo Bolsonaro para proteger a Amazônia”,
completou, convocando as autoridades internacionais a se posicionarem contra a gestão criminosa do governo Bolsonaro.
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Gaia: Amazônia por Sebastião Salgado:
acima, imagem das instalações na exposição
na Philharmonie de Paris e Sebastião Salgado
em entrevista coletiva durante a exposição
fotografado por Shun Kambe.
Abaixo, Manda Yawanawá, menina da
da aldeia de Escondido, no território de
Rio Gregório, Estado do Acre; e uma família
do povo Korubo, que habita a região oeste do
Estado do Amazonas; e uma família do povo
Ashaninka, que vive no Estado do Acre
.
Sebastião
Salgado, que
iniciou em 2013 suas expedições
para o projeto “Amazônia”,
também reconheceu que
a mostra atual
pode ser considerada
uma continuidade do
trabalho que
ele desenvolveu e apresentou em “Gênesis”,
que também mostrava
áreas do planeta ainda não afetadas pela civilização e
que já incluía imagens da floresta amazônica e dos povos
indígenas. Sob o olhar estético personalíssimo de Salgado, o
visitante da nova exposição é conduzido pelas belezas do
ecossistema tropical que permanece, em grande parte, em sua forma
original. Os primeiros painéis que o visitante encontra, nas
galerias da Philharmonie de Paris, trazem mapas em
grande escala e imagens
de satélites que destacam as áreas de reservas
indígenas, as terras da União, as unidades de conservação e as
zonas atualmente desmatadas e degradadas, que já representam cerca
de 20% do território total que recebe o nome de Amazônia.
No
mapeamento das reservas dos povos indígenas, Sebastião Salgado
apresenta os dez grupos com os quais conviveu durante sua jornada de
sete anos, além de outras viagens pontuais que fez à região, a
última em fevereiro deste ano. Durante as temporadas com cada tribo,
incluindo yanonamis, marúbos, yawanawás, o fotógrafo
aguardou autorização para cada contato e repetiu um mesmo ritual
entre as árvores: pendurava um lençol branco e abria um largo
tapete de plástico no chão, pronto para ser enrolado quando chegasse a
chuva que cai quase diariamente em toda a região amazônica. Os povos indígenas com os quais Salgado conviveu durante as expedições, incluindo suas principais lideranças, estão
registrados nas imagens em exposição, em fotografias para as quais
se prepararam pintando o corpo e enfeitando-se com o cocar das
cerimônias.
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Gaia: Amazônia por Sebastião Salgado: acima, Tananeloanpikit Vakwë e sua companheira Tsamavo, da tribo que vive na região do rio Itaquaí, acima da foz do rio Branco, e tiveram seu primeiro contato com alguém de fora da tribo em 2015. Abaixo, crianças do grupo de Vakwë
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Hipótese
de Gaia
“Amazônia”,
a exposição, tem sido classificada como uma experiência mística
pela imprensa estrangeira e pelos visitantes. Observando as imagens,
a impressão que se tem é que Sebastião Salgado realmente conseguiu
registrar e traduzir a beleza e os mistérios da última grande
floresta tropical do planeta Terra. A experiência transcendental que emana
de suas fotografias tem implicações filosóficas e até teológicas, mas trata-se
de um acervo documental de importância política e estética em uma magnitude que ainda não havia sido
realizada sobre a imensidão do ecossistema amazônico. E talvez
seja, também, um dos melhores exemplos da ecologia profunda –
aquele conceito que surgiu desde a década de 1970, a partir da teoria científica conhecida como “hipótese de Gaia”, proposta pelo ambientalista britânico James
Lovelock e nomeada em referência ao ser da
mitologia grega, Gaia, uma divindade que personificava a Mãe-Terra em
suas potencialidades primordiais.
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Gaia: Amazônia por Sebastião Salgado: acima, Tupa e Tumi Muxavo, filhos de um casal da tribo que teve seu primeiro contato com não indígenas em 1996. Abaixo, Kulutxia, que teve seu primeiro contato fora da tribo em 2015 e Sebastião Salgado em frente à ampliação de sua fotografia Xamãs do Xingu, fotografado por Ueslei Marcelino (Agência Reuters)
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Lovelock,
que desde a década de 1960 trabalhava
nos
comitês científicos da NASA que analisam os
parâmetros e possibilidades
de vida fora do nosso planeta, passou
a desenvolver e defender a teoria segundo a qual a
Terra, sua biosfera e seus componentes físicos (atmosfera,
criosfera, hidrosfera, litosfera), fazem
parte de um
complexo e
monumental organismo
vivo, integrado,
planetário
e interagente, que
mantém as condições climáticas e biogeoquímicas para
garantir
de
forma cooperativa a
sobrevivência de todos
os seres, incluindo todo o reino vegetal, todo o reino animal e
nossa
espécie humana. Segundo
Lovelock, essa “entidade viva” que é a Terra, que o senso comum
também chama de “natureza”, representa
nosso mundo físico como uma
metáfora para todos
os
processos biológicos atuantes no planeta.
A
teoria de Lovelock foi descrita por ele em suas célebres
conferências, em diversos artigos científicos e no livro “Gaia:
Um novo olhar sobre a vida na Terra”, publicado em 1979 e, desde
então, considerado um dos marcos principais do movimento ecológico
que surgia naquela época. Segundo os estudos de Lovelock e de seus
colaboradores, todos especialistas em diversas áreas do
conhecimento, também os componentes inorgânicos do nosso planeta
Terra, como as águas e a atmosfera, devem ser considerados parte da
biosfera porque são fundamentais e definitivamente integrados,
atuando em equilíbrio e tornando possíveis os processos evolutivos
que nos habituamos a chamar de “vida”. A conclusão, como alerta
Sebastião Salgado, com urgência e gravidade, é inevitável: a destruição de um ecossistema
da magnitude da Amazônia, em última instância, provocará o
rompimento desse equilíbrio cooperativo que garante a sobrevivência
de todos os seres que habitam nosso planeta. Inclusive dos seres humanos.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Gaia: Amazônia por Sebastião Salgado. In: Blog
Semióticas,
20 de maio de 2021. Disponível no link
https://semioticas1.blogspot.com/2021/05/gaia-amazonia-por-sebastiao-salgado.html
(acessado em .../.../…).
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