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1 de dezembro de 2011

Aninha da ponte








O que é literatura? O que leva alguém a escrever? Estas questões foram apresentadas pelo poeta maior Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em uma crônica publicada no extinto Caderno B do "Jornal do Brasil", em dezembro de 1980. É um texto surpreendente, como muitas outras crônicas de Drummond. Sempre citado e copiado por muitos, com intenções as mais diversas, o texto de Drummond falava de Aninha, aliás Cora Coralina, na época conhecida apenas pelos muitos amigos e pela grande família em Goiás.
Depois da saudação entusiasmada de Drummond (reproduzida abaixo, no final desta página) e de outros cânones do primeiro time da literatura no Brasil, aquela velha senhora passou a ser admirada por um público maior por todo o Brasil. Quase três décadas depois de sua morte, a poeta que nasceu em Goiás Velho, em 1889, e viveu até as vésperas do centenário, em 1985, recebeu um tributo comovente com nova edição, revista e ampliada, da biografia "Cora Coralina – Raízes de Aninha", de Clóvis Carvalho Britto e Rita Elisa Seda, lançamento da Editora Ideias & Letras.










Na entrevista que fiz com ela por telefone, para um jornal de Belo Horizonte, Rita Elisa Seda explicou que seu interesse pela vida e obra de Cora Coralina surgiu no ano de 1983. "Esta data foi marcante para mim. Foi quando li 'Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais' e meu amor por ela aflorou", revela Seda, recitando alguns dos versos que os leitores da velha senhora também passaram a admirar.

Os primeiros poemas escritos por Cora Coralina, uma seleção de seus textos inéditos, depoimentos de familiares e um vasto acervo fotográfico, recolhido dos álbuns de família e das coleções que a biógrafa organizou por cerca de 20 anos, compõem a homenagem de "Raízes de Aninha". Rita Elisa Seda faz questão de declarar que está satisfeita e realizada com a publicação do trabalho.




Filha, mãe, esposa, avó



"Foi uma pesquisa de muita dedicação e muitas idas e vindas antes da edição do livro", explica a biógrafa, que enumera alguns dos elogios que tem recebido de outros pesquisadores e a repercussão positiva das reportagens sobre o livro publicadas em jornais e revistas, além dos agradecimentos da legião de leitores de Cora Coralina. Rita Seda se identifica logo no começo da entrevista como uma filha, esposa, mãe e avó que já fez um pouco das coisas que mais gosta na vida: filosofia, jornalismo, arqueologia, fotografia, artesanato e literatura.









"Depois que encontrei desde a primeira vez aqueles poemas de Cora Coralina, fiquei encantada. Largava tudo para vê-la em entrevistas na TV e lia tudo que saía sobre ela em jornais e revistas", confessa. Para Rita Seda, que dividiu pesquisa, redação e edição do livro com um amigo de longa data, o doutorando em Sociologia pela UNB Clóvis Britto, "ensaio biográfico" é a melhor definição para o livro que rende tributo à poeta mais conhecida de Goiás.  

O trabalho de Rita Seda e Clóvis Britto, desde seu lançamento, vem sendo saudado como obra fundamental para o estudo da literatura de Cora Coralina. Fundamentados em uma extensa pesquisa, apresentam os escritos da poeta de Goiás e destacam a beleza artística dos poemas, contextualizados no que se refere à trajetória de vida de Aninha, nos acontecimentos da história do Brasil e nos usos e sotaques regionais da língua portuguesa. 




Menina feia da Ponte da Lapa



"Ela hoje está entre os mais consagrados nomes da literatura no Brasil e não era só poeta. Cora Coralina foi também cronista de mão cheia, contista e jornalista", destaca a autora, para quem a forma lírica é o que mais comove e emociona na poeta de Goiás. "Para mim, o que mais me comove é a forma lírica com que ela se mostra em Aninha, a menina feia da Ponte da Lapa”, confessa Seda.





Ela é irresistível, escreveu palavras que encantam assim que o leitor mergulha naquele mundo. Além dos poemas, o que mais me emociona são as crônicas nas quais ela se destaca como a Mulher da Terra", aponta Seda. O livro traz as primeiras poesias, textos inéditos, depoimentos de familiares e o acervo fotográfico que compõem a obra da velha senhora. Fruto de 15 anos de pesquisa e entrevistas, o ensaio biográfico resgata a trajetória de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, que passou à literatura como Cora Coralina.
Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador nomeado por D. Pedro II, e de Jacinta Luísa do Couto Brandão, Aninha nasceu e foi criada às margens do rio Vermelho, em uma casa que hoje abriga um museu em homenagem à escritora, comprada por sua família no século 19, quando seu avô ainda era uma criança.



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Apesar da pouca escolaridade (ela cursou somente as primeiras séries com uma professora particular chamada Mestra Silvina), começou a escrever os seus primeiros textos aos 14 anos de idade – alguns publicados desde o começo do século 20 pelos jornais de sua cidade natal. O primeiro texto publicado, que segundo a biógrafa a poeta de Goiás citava sempre com orgulho nas entrevistas, foi o conto “Tragédia na Roça”. 



Poeta e doceira



Tendo apenas instrução primária e sendo doceira de profissão por décadas e décadas, Aninha iria notabilizar-se por sua poesia ingênua publicada somente depois dos 70 anos. Poesia ingênua, mas personalíssima, na qual muitos identificam uma sabedoria popular que o passar do tempo foi deixando no passado. Como os versos iniciais de “Minha cidade”, que abre o livro "Melhores poemas de Cora Coralina", seleção póstuma feita por Darcy França Denófrio e publicada pela Global Editora, reunindo poemas inéditos e outros editados em vida pela autora.


Goiás, minha cidade...
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas, 
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou aninha.

Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,
contando histórias,
fazendo adivinhação.
Cantando teu passado.
Cantando teu futuro.








A sabedoria e a memória da infância preenchem cada verso, cada frase, cada sentido que aflora na literatura personalíssima de Aninha, como ela revela nos primeiros versos de outro poema emblemático, “Antiguidades”, publicado em "Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais":



Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um cesto de borralho em cima.

Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)
Eu era menina
em crescimento.
Gulosa,
abria os olhos
para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.





Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais” foi o primeiro livro de Cora Coralina. A primeira edição saiu pela Editora José Olympio em 1965, mas ficou restrita aos círculos literários de Goiás. A segunda edição da obra foi publicada em 1978, pelas Oficinas Gráficas ou Imprensa da Universidade Federal de Goiás. A editora da universidade não havia ainda sido criada, o que só aconteceria em 1980.



Drummond e Estórias Mais



A biógrafa explica que foi um exemplar dessa segunda edição de Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais” que caiu por obra do acaso nas mãos de Drummond, o que acabou conferindo prestígio nacional a Cora Coralina, a partir de uma carta que o poeta lhe enviou, por meio da Editora, em julho de 1979. No ano seguinte, Drummond publicaria a crônica no "Jornal do Brasil" que marcou época. A partir daí, Cora Coralina foi saudada com entusiasmo por outros medalhões no panteão da literatura nacional.





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"No diploma que ela recebeu com o título Doutora Honoris Causa está escrito o nome correto", destaca um dos depoimentos citados no livro. "Mas ela assinou o documento naquela solenidade como Cora Coralina, porque se fosse assinar Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas ninguém ia saber quem era". Segundo Seda, Cora Coralina incorporou também na vida real cotidiana o nome inventado.

"Desde o dia em que criou esse pseudônimo, é ela e mais ninguém. Acho que é correto dizer que ela incorporou o nome Cora Coralina em sua alma", completa. Rita Seda diz que ainda hoje fica emocionada com fotos, entrevistas e poemas de sua biografada. Para a biógrafa, o trabalho de pesquisa rendeu uma experiência de vida muito intensa, uma vez que aprendeu muito com a pesquisa sobre a poeta de Goiás e sobre si mesma. 





"Já plantei várias árvores, escrevi alguns livros e dancei muitos tangos com meu pai. Mas confesso que, dentre tudo isso, a magia de escrever é a que mais me fascina", destaca Seda, que está nos preparativos finais para publicar mais um livro biográfico, dessa vez em nova parceria, dividindo pesquisa e redação com a historiadora Sônia Gabriel.
"Será um livro que vai apresentar uma personalidade única, Eugênia Sereno, uma escritora formidável e quase completamente esquecida, dona de obra tão densa que chega mesmo a ser comparada por alguns estudiosos importantes de literatura com a obra magistral de Guimarães Rosa", conclui Rita Elisa Seda. O título do novo livro: "A Menina dos Vagalumes".

por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Aninha da ponte. In: Blog Semióticas, 1° de dezembro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/12/aninha-da-ponte.html (acessado em .../.../...).



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